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China, o melhor (e o pior) de dois mundos

Enquanto nós andamos às voltas com Copenhaga, a Lídia abreviou caminho e deu-nos a volta à China. Uma impressão de dez dias para ler de pernas à chinês e ficar com muito formigueiro.

Aqui há uns anos o meu pai disse-me que eu devia estudar mandarim. As razões vocês todos sabem: futura maior economia mundial, milhões e mais milhões de falantes. Eu olimpicamente ignorei-o, cheia da arrogância ocidental. Sei que me arrependi desta adolescente decisão algures nos dez dias que passei na China. Mas não porque os yuans serviram para comprar parte da EDP, ou porque aquele PIB faz-nos corar de vergonha com aquelas ultrapassagens pela direita que faz aos outros pobres PIB’s do Mundo. Na verdade, arrependi-me porque me apaixonei por aquele puzzle, pelo mistério que carrega cada um daqueles caracteres. Escrever desenhando? Falar relacionando? Mas que coisa impressionante!

Talvez (ainda) seja esse o grande fascínio da China. Talvez ele não dure muito mais, é verdade. O tal mistério. A história milenar da China está carregada de um mistério muito grande para nós ocidentais. E percebe-se isso mal se coloca um pé na Grande Muralha. Como é que um gigante muro de pedra sempre igual que serpenteia o norte do país ao longo de mais de 6 mil quilómetros nos pode esmagar tanto? Confesso-vos, estar na Grande Muralha da China foi o mais perto que me senti de ser um super-herói. E, como com um grande poder vem uma grande responsabilidade, senti-me de tal maneira que fiquei pregada ao chão e com as retinas a um passo da explosão. Nenhuma das fotografias que tirei fizeram jus àquela grandiosidade. Aliás, cheguei a pensar desistir de tirar fotografias porque sabia que nenhuma delas ia registar exatamente o que os meus olhos iam ver ao longo da viagem. E tinha razão.

Pequim está cheia destes sítios, que fazem o coração passar um bater, tal o arrebatamento. A viagem pelo tempo na Cidade Proibida, os passeios no Palácio de Verão, enfim, são como aqueles homens ou mulheres pelos quais nos apaixonamos mas sabemos serem inalcançáveis. Eles estão ali, podemos olhar para eles, mas temos a perfeita noção que são demais para nós. São tão belos como distantes, tão fascinantes como austeros.

Mas se o tradicionalismo e a monumentalidade de Pequim ainda são um posto, a verdade é que a ânsia pela modernidade faz com que o mistério comece a andar de mãos dadas com o cosmopolitismo. Selvático, a tempos. Sim, Pequim continua a ter laivos de cinzentismo maoísta, mas a pouco e pouco começamos a ver pinceladas de Londres, outras de Nova Iorque em bairros como SanLi Tun, onde um centro comercial é arquitetura e vendedores de rua fazem as suas espetadas de carne de carneiro em frente a uma American Apparel. O mistério vai-se desvanecendo com a chegada do ocidente, mas assim são os tempos. E a curiosidade não cessa. E o que dizer do 798, o bairro das artes, enorme complexo industrial transformado em casa de artistas subversivos, onde cada esquina atira-nos criticas ao poder vigente em forma de escultura, sem medos, já sem respeito pelo santo Mao Zedong (sim, não se diz Mao Tsé-Tung). Berlim estará aqui?

Se é possível que Pequim já não seja a verdadeira China, Xangai nunca terá sido. A influência europeia vem de há muitos e muitos anos. Estar no The Bund, que podia perfeitamente ser Paris, e olhar para o lado de lá do rio e ver os prédios modernos do Pudong que arranham os céus da cidade do Yao Ming é tão confuso como arrebatador. Principalmente quando as luzes começam a surgir, primeiro tímidas e logo histriónicas, como só a Ásia sabe ser. Xangai é uma daquelas metrópoles onde é possível comer um donuts de sushi (não sei, mas acredito piamente que sim) ou comprar aquela peça de roupa que ninguém mais vai ter. Mas também é a cidade dos Yu Gardens e do Bazaar, que entram fácil no Top 3 de coisas mais belas que esta vossa escriba já viu. Um enorme jardim oriental no meio da modernidade que termina com a mais antiga das casas de chá de Xangai e um imponente armazém hoje entregue a algumas das famosas cadeias do antigo inimigo americano, mas sem perder um pingo da magia chinesa da antiguidade.

Os deuses foram generosos com a China, que hoje tem o melhor dos dois mundos. Mas também o pior. O desenvolvimento desenfreado não é simpático para toda a gente. Por isso, talvez agora seja boa altura para visitar o país. Não que a China seja um barril de pólvora. Só porque a este ritmo talvez em alguns anos não existam hutongs (as casas tradicionais lá do burgo) para correr de riquexó e cada pequeno restaurante tradicional seja substituído por um Starbucks. É certo que a modernidade nunca vai comer a China tradicional, mas pode descaracterizá-la. Para já está no ponto. Nem demasiado fechada ao Mundo, nem ostensivamente ocidental. E ainda com muito mistério.

 Conselhos mais ou menos práticos:

  • Ir à China é mais fácil do que à partida possa parecer. A Air China pertence ao mesmo grupo que a TAP e voa de diversos aeroportos europeus a preços nada escandalosos. Com algum tempo e paciência para a busca arranjam-se viagens a pouco mais de 500 euros.
  • Antes de partir vão à Feira de Carcavelos e treinem a vossa capacidade de regatear. É o desporto nacional lá do sítio.
  • Treinem também a vossa melhor mímica: um falante de inglês na China é tipo um oásis no deserto de Gob. Em consequência, convém levar uma folhinha com os nomes dos locais a visitar e umas frases daquelas básicas em caracteres chineses.
  • Se forem claustrofóbicos fujam a sete pés do Metro de Pequim e Xangai (por outro lado, cada viagem custa uns 20 cêntimos e aquela malta é inacreditavelmente organizada assim que deixem-se de esquisitices!)
  • Não levem a mala muito cheia. Ainda que sejam os tipos menos consumistas do Mundo os mercados e centros comerciais chineses escondem também eles mistérios insondáveis que levam o mais empedernido dos forretas a querer comprar lojas inteiras.
  • A melhor altura para visitar a China é o início do Outono ou o fim da Primavera, quando o tempo está mais ameno. Fora disso o mais certo é derreterem de calor ou congelarem de frio.
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Já estava na hora de Genéve

Tiram-se os pés do chão e a nossa Pé 38 fica logo com a cabecinha no ar. Que se andou pela Suiça no IO-DELE-I-OU andou, mas Zurique e Bern é que nem vê-los.Foram três dias por Genebra com muita forretice, passeios à beira lago e umas boas lambuzadelas de chocolate.

“E viva o luxo”

Não são só as malas Louis Vuitton, os sapatos Louboutin, os bancos suíços e os reclames luminosos a reclamarem Rolex, Cartier e Patek Phillippe, que fazem de Genéve uma verdadeira boneca de luxo. Os hotéis pomposos, os bistrôts de sofás escarlate e os carros de séries altas fazem da segunda maior cidade Suíça um verdadeiro tapete vermelho para madames e monsieurs se passearem com malas de centenas de euros de baixo de braço e gabardines de fazer corar casacos pelintras e malas de pele gasta que não valem mais do que um par de meias que trazem calçadas. E nos restôs da moda petisca-se foie gras de canard e brinda-se com Pinot Noirs, Chardonnays e Champagne.

Baby-booooooooooom

O baby-boom só pode ter explodido na Suíça. Eles são mais do que as mães e andam à solta por todo o lado. Atravessam estradas a correr, brincam em parques, passeiam-se em carrinhos duplos, triplos e quádruplos. Crianças linguarudas de cabelos loiro, olhos em bico e pele morena que berram em francês, cantam em espanhol, insultam-se em alemão e torcem uns pelos outros em italiano. Fedelhos castiços e poliglotas que fazem de Genéve uma cidade mais colorida.

 Genéve é veeeeeerde

Cidade de zonas verdes, jardins floridos e águas transparentes, Genéve é um lago com cheiro a maresia e margens com nome de praias. E neste arejo de sítio deslizam bicicletas, triciclos, patins em linha, skates, tudo corre, tudo mexe, aqui tudo se exercita.

Helvética é só a fonte

Deve ter sido por alguma coisa que a fonte mais elegante de todas nasceu na Suiça. E se se pensava que de lá só vinha a fonte e uns arquitetos XPTO, está-se muito enganado. Aquilo são ateliers de design e arquitetura, agências de publicidade, lojinhas de criadores japoneses, cafezinhos cheios de charme, museus de arte moderna, galerias minimalistas por toda a parte. Até parece que os escandinavos foram viver para o centro da europa.

Muita alminha lusa

Em Genéve, bebe-se Super Bock, comem-se francesinhas e  veste-se a camisola do Benfica e do FêQuêPê. Os portugueses são aos pontapés e o português ouve-se por todo o lado. E se nas bancas se vendem Anas e Marias, no Supermercado canta-se de Galo e brinda-se à alegria com um belo de um Casal Garcia.

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Amristar, sikhs e espadaúdos

Tirámos as sandálias, escondemos o cabelo num véu e entrámos. 

Há tanta luz a envolver-nos, tantos reflexos e contornos indecisos entre uma luz branca ou, talvez,  uma aura. Mais um passo. Vai-se caminhando devagar, sem pressas. O Golden Temple está lá, cercado de ouro e de água, protegido por estes mármores cândidos e pela devoção dos que mergulham, dos que se lavam, dos que se estendem ou se deitam, dos que cruzam as pernas e cantam. Homens robustos de barba longa, turbante e espada, mulheres, todas princesas de sari. Tonalidades garridas que lhes caem sobre os ombros e que contrastam com esta luz branca e clara. À noite, a luz vem de dentro e o templo ganha outro brilho.

Wagaaaaaahhhhhhhhhhhh

De um lado barbudos honrados, carregados de escuro a trovoar tambores. 

Do outro agita-se a anca de braços no ar enquanto os altifalantes chiam o último hit de Bollywood. Do mesmo lado Gandhi, de sorriso aberto, do outro, carrancudo, um distinto general, sem o mérito de lhe sabermos o nome. 

Ao sinal da corneta a cerimónia começa. Em passo de ganso, os soldados de um lado e do outro, pavoneiam gravemente as suas respeitosas cristas. Grita a nação, desgarrada, o nome da sua pátria. Um duelo de caixas torácicas e gargantas afinadas. Hasteiam-se as bandeiras, apertam-se as mãos e fecham-se outra vez as fronteiras. 

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McLeod Ganj, no alto da montanha la la la

Depois de duas semanas carregadas de Índia, refugiámo-nos num Tibete refugiado na Índia.

Sabemo-nos pequenos quando chegamos aos Himalaias. Pequenos pedaços de matéria e de tempo no assombro de uma eternidade que cá fica, entre a neblina ou em desmedidas aparições de céu azul.

Nos Himalaias não há montes, só há montanhas. Montanhas que não se agarram num olhar só, é preciso olhar muitas vezes, para os muitos lados das tantas montanhas.

Lá a espiritualidade veste túnicas costuradas à mão e rapa a cabeça, a fome come com pauzinhos e do chão árido rompem as montanhas.

É um retiro para o mundo, um escape para fugitivos que procuram encontrar-se. Uma outra realidade, mais alta, para quem lá chega. Um jardim de yoga, uma redoma de reiki, uma marquesa tailandesa, balinesa, sueca, chinesa e indiana, uma cozinha de aulas, um templo de filosofia.

No alto da montanha, o ar respira-se melhor e a brisa deixa-nos os pés frios e pede lenços ao pescoço. As buzinadelas só apitam de vez em quando e a mancha cerrada de indianos dissipa-se noutra gente de olhos em bico.

Nós vestimos a camisola, comemos-lhe o pão,  aprendemos-lhe os momos e a generosidade, abrimo-nos aos canais de energia e à luz de um breve aceno do Dalai Lama e deixámo-nos planar.

Uma nova Delhi

Foi como se tivéssemos ido a uma nova Delhi. Depois de suarmos em bica em Jaisalmer, de sermos repenicadas pela mosquitada de Jodhpur, depois do melhor pequeno-almoço continental em Jaipur, depois de ficarmos sem um tostão em Udaipur, depois da foto no Taj Mahal e da revelação de Varanasi (ufa), chegámos outra vez a Delhi, outra vez de passagem. 

Ao final da tarde havia o autocarro para a montanha, por isso, tínhamos que nos entreter. A ideia era ir até à Flor de Lotus, na verdade queríamos fugir para a Flor de Lotus, tão traumatizadas que estávamos com Delhi. Mas a Índia não é flor que se cheire, a Índia é muita gente mal cheirosa que te puxa para dentro. E como nós já não cheirávamos muito bem, entrámos. Entrámos no Chandni Chow, segundo o The Guardian, um dos melhores sítios para se ir às compras. Num era. Temos de dizer aos senhores do The Guardian para irem à feira de Barcelos. Os saris nunca foram tão feios, a caxemira nunca foi tão falsa, a seda tão plástica, os sapatos tão pirosos e até os cabos de ipod eram ipode. Parecia que estávamos numa loja do chinês muito grande, muito suja e prestes a entrar em curto circuito. Valeram-nos os óculos do Gandhi e uns posters de bollywood que desencantámos num quarto andar mofento e enferrujado.

No fundo, adorámos.

Mas outra viagem estava prestes a começar. Apanhámos o rickshaw e fizemo-nos à estrada.